Por Ana Rita Cunha
Essa história tem um nariz de cera — jargão jornalístico para começos enrolados.
Eu li Um defeito de cor, da Ana Maria Gonçalves em maio do ano passado. O Saulo já deve estar pensando: “lá vem ela”. Sim, lá vou eu.
Demorei para começar o livro porque achava que era uma grande história de sofrimento. Mas a Kehinde, a personagem principal, me pegou no contrapé. Ela não é uma sofredora, não é uma escravizada, não é uma guerreira, ela é uma aventureira altiva e corajosa.
No livro, viajamos por várias cidades com Kehinde e entre as muitas histórias somos apresentados às irmandades negras.
No período da escravidão, as associações religiosas eram um dos poucos espaços em que pessoas negras podiam se reunir por vontade própria e sem tanta perseguição. Pronto, surgiram dali organizações que faziam às vezes de banco, permitindo poupança para financiar a alforria, de aconselhamento jurídico, de abrigo, principalmente para escravizados fugidos, e de espaço de lazer.
Terminei o livro me perguntando como esconderam isso dos nossos livros da escola? Como apagaram essas pessoas negras negociadoras, diplomatas, inventivas? Por que ninguém ergueu estátua para essa gente fantástica? Talvez isso tenha um nome, como diria o querido Ora Thiago.
Terminado este longo parênteses voltemos ao assunto do título: por que você deveria ouvir Chumbo & Soul?
De maio a agosto trabalhei checando os roteiros do podcast da Audible produzido pela Rádio Novelo. Os episódios de Chumbo & Soul, lançados na semana passada, entrelaçam a história da família do Gilberto Porcidônio, jornalista foda e apresentador do podcast, com a história da repressão da ditadura à música black.
Não, não é um podcast triste.
E o principal motivo para você ouvi-lo é porque ele está recheado de boas histórias.
Ao longo de oito episódios de Chumbo & Soul, conhecemos histórias como a do perigoso Puma laranja conversível, a do maestro preso porque queria mocotó, a da trancista baiana que virou capa de disco, a do movimento do Harlem na década de 1920 que virou clube de samba no Rio, a do vagalume negro que mudou o colunismo social, a da jornalista negra que deu nome a um movimento musical e a da camiseta enviada por um primo do Rio que mudou a música baiana.
Também como no livro, esses homens e mulheres negros não são retratados pelo seu sofrimento, mas pela sua dignidade. A foto que ilustra esta newsletter, e que também é mencionada no podcast, é uma síntese dessas duas obras: elas falam sobre alegria e dignidade.
Depois de ouvir Chumbo & Soul, assim como depois de ler a Ana Maria Gonçalves, eu senti que uma pano tinha sido removido da minha frente.
Corta para julho, eu e Saulo passeando em Ouro Preto. Tinha na mente talhada a cidade da colonização portuguesa, dos livros de história, dos filmes, das novelas em que brancos iam às igrejas e negros seminus sofriam na minas.
Veja, tudo isso existiu mesmo, mas quando a gente apura o olhar, não tem como desver. Lá estão elas, as várias igrejas das irmandades negras, os anjos negros de Manoel da Costa Athaide e um grupo de estudantes pretinhos comendo pão de queijo na descida da ladeira.
E aí, curtiu? Mande um alô!
Salve, meu povo! A última edição foi um hit!
Ana Rita leu tamborilando os dedos e Eliete Pereira disse que o texto é um convite a conhecer o disco.
Já a Amanda Evelyn disse que sente falta de ver a finada MTV, pegar CD emprestado e outras práticas do passado para se conhecer música nova.
“Mas o algoritmo também nos traz boas surpresas né?”, comentou.
No insta, Ana Bimbatti e Yvna Souza deixaram likes.
E você, o que achou? Conte via Instagram, Twitter ou e-mail.
Até quinta, às 8h30, aqui na Eixo.
Que presente é ler Ana Rita na quinta-feira de manhã!!!!!! Li Um Defeito de Cor, imagina se eu não vou ouvir um podcast!!! Meu otimismo com a vida é alimentado por essas pessoas inventivas, alegres e dignas em suas qualidade e defeitos, gente de verdade. Bom demais! Já estou empolgada para mais uma aventura com selo Ana Rita de qualidade!
Que alegria ler seus relatos, impressões sobre elementos da nossa cultura, da nossa história e a tentativa de apagamento tão presente.
Ter um olhar diferente daquele que nos impõem os"dominadores" é libertador.
Amei o texto!