Por Saulo Pereira Guimarães
O algoritmo já lhe sugeriu algo bom? É, o algoritmo, essa misteriosa entidade contemporânea que define com o que vamos gastar tempo. Puxando pela memória, me lembro do Hélio Matheus, ao qual cheguei via YouTube, da patota de Tim Maia e companhia, que, em 1975, lançou um LP com um baixo que bate igual sino de catedral.
Tenho esse problema. Escuto muita música velha. Mas, outro dia, o Spotify me sugeriu o álbum novo da Tássia Reis. Fui ouvir. E, olha, gostei.
Topo da Minha Cabeça fala de incômodo de duas maneiras. A primeira é o incômodo que sentimos. Estou com 34, a Tássia com 35 e, nessa altura, alguns desconfortos são bem patentes. O desconforto de ver o país jogar no bueiro vidas como as nossas. De saber que, na fúria do camburão, todo menino rei é culpado. Mas não só esse. O desconforto de um mundo que parece querer nos ver cair, sumir, sucumbir e afogar e o esforço de não ceder, não correr, não morrer e não fugir — sem omitir nossa fossa.
Esse eu faço e sei que você também faz.
Ainda que, às vezes, a gente se sinta tão mal que pode vir o que vier que nada pode piorar.
A tão famigerada Vida Adulta.
Mas o álbum aborda o outro lado da moeda: o incômodo que somos capazes de gerar. Sem esse, o outro perde sentido. Diante desse, o outro vira circunstância. O prazeroso desconforto de frustrar quem tenta arrumar um jeito de nos apagar. O civilizatório desconforto de fazer quem não nos entende aprender a nos respeitar. O necessário desconforto de reservar um tempo para si e, se preciso, deixar de fazer o que não se quer por não admitir. Um grito de liberdade não se guarda na garganta, escreveu José Falero, de 37, em Eu e os outros cocô tudo. A alegria geométrica de contrariar as estatísticas. O ancestral incômodo de tomar as rédeas da própria vida.
Ela mesma, a tal Liberdade.
Escrevo essas coisas todas, mas o álbum é bem mais que isso. Ele me lembrou uma sonoridade do começo dos anos 2000, só que devida e bem-sucedidamente atualizada. Se você ligasse numa rádio qualquer nessa época, havia uma grande chance de ouvir algo com pitadas de "eletrônico" (como se chamava então), embora preocupado em ser identificável como brasileiro. É a onda da Luciana Mello, do Fat Family e da Negra Li em vários momentos. Uma liberdade à qual, inclusive, as mulheres se permitiram mais do que os homens no que a Sandra de Sá chamava de MPB — Música Preta Brasileira.
Ouvir Racionais é assistir a um filme. Mas, às vezes, é difícil de dançar.
Com essas moças, não.
De lá para cá, ficou mais fácil jogar limpo. O disco da Tássia é cheio de detalhes que o deixam melhor e mais preto. É um pandeiro aqui, um ijexá ali e até um pedido de ajuda a Oxum que ninguém julga mais.
Deixou de parecer forçado. Conversa com os nossos dias.
No fim, ela traz seu encanto, disfarça seu pranto e firma bem forte na palma da mão. Saúda Clementina, Dona Ivone, Leci e Jovelina como as arquitetas da música brasileira e nos recorda quem, mais do que ninguém, colocou esse país de pé.
E aí, curtiu? Mande um alô!
Salve, meu povo!
A edição sobre G20 teve bem mais que 20 leitores.
A Eliete Pereira se divertiu com as comparações — mas defendeu que o encontro deveria ser online. Já a Gabi Ribeiro disse que sua mãe cresceu no Jardim Guanabara — mas que a Ilha já não é mais a mesma.
Ana Rita, minha irmã, Cristiane Costa, Deborah Gomes, Gabi Tricanico e Rosângela Sant'Anna e Rutonio Sant'Anna deixaram likes.
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Até quinta, às 8h30, aqui na Eixo.
Caramba! Li tamborilando os dedos na mesa. Só você para conseguir colocar tanta música e tanta coisa bonita dentro das palavras.
Saulo, olha como as coisas são engraçadas. Eu tava hoje ouvindo uma playlist dos anos 80 (!!!! eu nem era nascida) e super incomodada por só ouvir música velha e fui ler a eixo. Obrigada mesmo pela sugestão! Conversei com Eduardo um dia desses sobre como sinto uma falta talvez não muito justificada de como conhecíamos música nova lá no fim dos anos 1990/início dos 2000. Vendo MTV (a falecida), pegando cd (!!!!!) emprestado, ouvindo um cd inteirinho quando lançava, mas o algoritmo tb nos traz boas surpresas né? Abraço!!!