Por Saulo Pereira Guimarães
Meu avô morreu em 2019. Eu lembro porque estava no Globo e pedi dispensa para ir ao enterro. Meu avô tinha um irmão, de nome Antônio, já velho, que apareceu com uma namorada, também velha. Velamos o morto, levamos o caixão à cova, a esposa do meu avô disse a meu pai que ele tinha pedido que, depois de enterrado, o levassem para Aracaju. Tudo dentro do esperado. Ao fim do enterro, túmulo fechado, a namorada do tio Antônio pergunta o número da sepultura. Ana Rita acha bonito. Crê que ela virá visitar o local outras vezes. Meu pai ri. "Que nada", ele diz. "Ela quer saber é para poder jogar no bicho".
Considerando o romance que foi a vida do meu avô — e que eu, um dia, ainda escrevo —, acho que foi um desfecho à altura. Lembrei dele — o desfecho — lendo outro romance — A extraordinária Zona Norte, de Alberto Mussa — que comprei no bazar de fim de ano da Todavia. Eu compraria qualquer livro que tivesse esse nome. Na história, o detetive particular Domício é instado nos anos 1970 a investigar a morte de Antenor, um policial assassinado numa quadra de escola de samba que nunca teve seu corpo encontrado. A trama toda se passa na Zona Norte, essa mesma onde nasci, velei meu avô e de onde, às vezes, acho que nunca saí.
"É o que todos fazem quando vão ao enterro, anotar a milhar do túmulo pra jogar no bicho", escreve Mussa à certa altura. A Zona Norte do escritor é recheada de misticismo — como os sambas de seu tio Didi — e adultérios — como o romance de Nelson Rodrigues que seu protagonista lê. Esses últimos estão até na lenda indígena que explica a origem dos nomes de Andaraí, Grajaú e Morro dos Macacos. Enquanto tomam cerveja preta, desfilam nuas pelo subúrbio e são desejadas do Cachambi à Tijuca, da Boca do Mato à Praça da Bandeira, suas personagens traem — das formas mais intensas e esdrúxulas possíveis, inclusive.
Alguém talvez me pergunte: por que Domício tenta descobrir a identidade do cliente? A resposta é constrangedora: porque tinha ficado extasiado com a mulher fotografada; tinha fantasias recorrentes com ela; e pretendia segui-la às próprias custas, na intenção de cavar uma oportunidade e levá-la para a cama; ou fazer na rua mesmo, barranqueá-la contra um poste ou contra um muro. Não é, dirão vocês, uma atitude digna, a conduta que se espera de um profissional. Mas é que estamos no Rio de Janeiro
Duzentos e trinta páginas, algumas macumbas e reviravoltas depois, descobrimos que a morte de Antenor não tem — embora tenha — a ver com um adultério — ou talvez dois. É um romance policial clássico, com todos os elementos característicos e o molho que só a Zona Norte poderia dar. Ou seja, um livro irresistível. Empregadas, advogados e mecânicos se revezam por favelas, botequins e cemitérios em meio a bicheiros, policiais e esquadrões da morte. É um passeio pela alma do que se convencionou chamar de Rio de Janeiro. Uma rota de escape para as chateações do dia a dia daquelas que só a boa literatura é capaz de dar.
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Salve, meu povo! A edição de carnaval ganhou nota 10. Eliete Pereira disse que não gostou do desfile em três noites. Carlos Sousa, Gabi Tricanico, Giselle Soares, Helena Borges, Ludmila Primo, Mariana Paciência e Rosângela Santanna deixaram likes. Além delas, Ana Bimbati, Kami, Lu Scarazzati, Thaís Regina e minha mãe curtiram o último número. "No carnaval, a gente recarrega as baterias e enfrenta o ano com humor! Será?", disse Dinorá Zanina.
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Eita, fiquei com vontade de ler. Quem já entrou no vagão do culto no trem, recusou bolo de cenoura na xerox, viu os peixinhos no shopping, andou de bicicleta no parque de Madureira sabe os sabores inesperados da Zona Norte.
A Zona Norte, por sua diversidade, espontaneidade e originalidade é sempre uma boa fonte de inspiração.