Pagode 90
Embalados pelo Plano Real, jovens negros protagonizaram o maior surto de vendas de um único gênero musical da história do Brasil
"O povo está cansado de tanta realidade", Luiz Carlos, do Raça Negra, disse à Folha, em 1996. Criado 13 anos antes, o grupo da Zona Leste gravou o 1º disco em 1991, com muito teclado, sax e letra açucaradas. Até ali, Samba e Pagode eram a mesma coisa. A partir dali, Pagode virou sinônimo de uma vertente mais romântica — e mais paulistana — do Samba. O 1º álbum do Raça Negra vendeu 700 mil cópias. O sucesso os levou à TV, onde os membros faziam coreografias que logo chamaram atenção. Em 1995, a música "É Tarde demais" foi a mais tocada do mundo por rádios num único dia, com 600 execuções.
Na mesma época, do outro lado da cidade, amigos montavam outra banda. Seu diferencial eram as roupas, costuradas pela mãe de um deles e inspiradas no Earth, Wind and Fire. Logo no 1º disco, o Negritude Jr. vendeu 350 mil cópias. Em 1995, o grupo emplacou o hit "Cohab City", de Anderson Leonardo. Na outra ponta da Dutra, o mesmo Anderson mantinha com colegas o Molejo, banda com pegada menos romântica e mais suingada do que Negritude e Raça Negra. O álbum deles de 1997, "Brincadeira de Criança", vendeu 1 milhão de cópias.
Os números não mentiam. O Brasil tinha virado o País do Pagode.
Se nos anos 1970, Martinho sofria para receber cachê, agora o cenário era outro. O próprio Martinho vendeu, em 1995, 1,5 milhão de discos. Embalados pelo Plano Real, jovens negros protagonizaram o maior surto de vendas de um único gênero musical da história do Brasil. Entre 1993 e 1999, 15 dos 50 álbuns mais vendidos no Rio e em São Paulo eram de Samba. Isso no auge da indústria fonográfica no país. Em São Paulo, a Transcontinental saltou do 24º para o 2º lugar entre as rádios mais ouvidas ao dedicar 80% da programação ao Pagode - sendo prontamente acompanhada por Cidade, Gazeta e outras mais.
Katinguelê, Exaltasamba, Pixote e outros tantos venderam nesse período, por mais de uma vez, mais de um milhão de discos a cada lançamento. Os Travessos viram "Quando a Gente Ama" ser a mais tocada do país em 1997 e participaram até de filme da Xuxa. Já "Marrom bombom", de Os Morenos, chegou a tocar 39 vezes em diferentes rádios num mesmo dia. Eram hits produzidos em série por astros que idolatravam Cartola e Michael Jackson na mesma medida. Um lado pouco comentado é o fato do Pagode retratar o homem negro como alguém romântico — algo distante do estereótipo mais comumente associado ao grupo.
Embora Rio e São Paulo sejam os epicentros da Era de Ouro, veio de Uberlândia a banda que fez o maior sucesso. Criado em 1989, o Só Para Contrariar estreou em estúdios quatro anos depois com o pé direito: 900 mil cópias vendidas. De hit em hit, o grupo fechou 1997 como o grupo que mais vendeu discos no Brasil. Numa premiação pelo recorde, até Mike Tyson se animou com mineirinhos. O álbum deles naquele ano teve quase 3 milhões de unidades comercializadas e é o 4º mais vendido da história do país. Em 2002, a consagração definitiva: Caetano e Gil no Acústico.
O Pagode tinha, finalmente, chegado ao topo.
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A história do pagode é um ensaio em quatro capítulos sobre o gênero musical que colocou no mesmo ritmo as duas pontas da Dutra -- exclusivo para assinantes da Eixo.
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Leia o último capítulo aqui na próxima quinta (30), às 8h30.



O único problema dessa série especial é ela chegar na quinta e não no sábado, em horários mais aceitáveis de já abrir uma cerveja pra acompanhar a leitura :)
Leitura recomendável para todos (as).interessados (as) no nosso cenário musical e nos fenômenos que ocorrem em determinadas épocas.
Gostando ou não do gênero, temos que reconhecer sua força.