Por Saulo Pereira Guimarães
Comecei a ler Elena Ferrante. Já acabei o terceiro livro. Estou convencido de que Lenu é mais interessante do que Lila, que Nino Sarratore é um cafajeste da pior espécie e que há mais semelhanças entre Nápoles e Rocha Miranda do que se possa supor e vãs pizzarias.
Comecei a ler porque uma amiga da Ana Rita veio aqui em casa e disse que seu namorado tinha começado — mas desistido, porque não tinha sido tocado pela história (dias depois de ter saído aquela pesquisa dizendo que homens não leem ficção).
O ego pode não ser o maior órgão do jovem hétero desconstruído, mas certamente é o mais sensível.
Por pura avareza, decidi não comprar a tetralogia — mas sim ler por meio de empréstimos na Biblioteca Mário de Andrade.
A Biblioteca Mário de Andrade é um imenso prédio art deco dos anos 1940 localizado no fim da avenida São Luís, no centro do Centro de São Paulo. A imponência da construção contrasta com a humildade da audiência, majoritariamente formada por estudantes, imigrantes e moradores de rua. Talvez, os últimos grupos a darem muito valor a um acervo público, completo e, principalmente, gratuito. É assim desde, pelo menos, 2013, quando achei por lá um livro de crônicas do Lupicínio Rodrigues para o Última Hora nos anos 1960 que foi de pouca valia para o meu TCC — mas era ótimo de ler.
Eu poderia contar a história da minha vida por meio de bibliotecas. Meu pai ia ao Real Gabinete Português de Leitura para fazer trabalhos de escola. Já minha avó criou em casa uma coleção para atender seu grupo de terceira idade.
Não lembro de biblioteca no meu primeiro colégio. No segundo, havia — mas sem empréstimo ou contato direto. A bibliotecária era quem buscava os livros. No terceiro (sim, foram três), posso dizer sem exagero que passei a maior parte dos recreios da sexta e da sétima série enfurnado entre estantes. Era impossível ler a Super, porque os professores do ensino médio sempre estavam com a revista.
Na oitava (série, não escola), troquei a biblioteca pela quadra de basquete. Mas, já na faculdade, frequentei muito a eclética biblioteca da ECo (que tinha DVDs, veja só), a bela biblioteca do IFCS (simultaneamente clássica e moderníssima em sua arquitetura) e até a Biblioteca Nacional, onde estagiei (e tomei os melhores cafezinhos da minha vida profissional) por um ano — o que me rendeu valiosas informações para impressionar Ana Rita no começo do namoro.
Jorge Luis Borges costumava dizer que o paraíso devia ser algo parecido com uma biblioteca. Ele mesmo coordenou uma em Buenos Aires — nacional também, mas menos bonita. O maior mérito desses espaços não é reunirem grande parte do conhecimento humano produzido ao longo de milênios, mas fazê-lo de forma organizada. Isso é o que mais me fascina.
No fundo, somos todos aprendizes de organizadores de um mundo fora de ordem que, por isso, devia ter as bibliotecas como modelo.
Não necessariamente pela ordem que as organiza, mas por aquilo que essa ordem permite que sejamos capazes de fazer.
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Salve, meu povo! A última edição decolonizou. "Meu otimismo é alimentado por pessoas inventivas, dignas nas qualidade e defeitos", disse Amanda Evelyn. "Ter um olhar diferente do imposto por 'dominadores' é libertador", falou Eliete Pereira. Porcidônio mandou lembranças a Ana Rita: "grato pelas palavras e trabalho na série"
No Insta, likes de Deborah Medeiros, Giselle Soares, Laila Nery e Rafael Soares.
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Até quinta, às 8h30, aqui na Eixo.
O bibliotecário em mim amou essa crônica
Que frutos belíssimos o seu apego às.bibliotecas nos deram! Bela crônica! Inesquecíveis referências nessa sua trajetória de leitor.
Por mais bibliotecas. Por mais organização.