O Samba começa com elas
E, talvez aqui, comece a história do Pagode
Toda história tem começo e todo começo é meio arbitrário.
Por volta de 1h de 25 de janeiro de 1835, Luísa Mahin e outros 50 negros ocuparam o Corredor da Vitória, em Salvador. Vários eram muçulmanos, vestiam branco e levavam espadas e lanças. Partiram em direção ao Pelourinho com a meta de tomar engenhos e libertar escravizados. Chegaram a reunir 600 pessoas, mas as autoridades foram avisadas. Em Água dos Meninos, confronto com a polícia. Sete soldados são mortos. Setenta e três revoltosos, assassinados.
A Revolta dos Malês assustou a Bahia. Negros foram proibidos de praticar o Islã ou circular pela rua à noite. Isso combinado à queda do preço do açúcar levou senhores a libertarem "escravos de ganho". Ou melhor, escravizadas -- já que a maioria era de vendedoras. Acostumadas a trabalhar por conta própria, elas vão para o Rio e se estabelecem perto do porto. Com turbantes e panos da Costa, as baianas abrem tabuleiros no coração do império.
Essas mulheres ganharam fama com festas em suas casas e os desfiles de rancho que organizavam. Nenhuma ficou mais conhecida que Hilária Batista de Almeida, a Tia Ciata. Nascida em Santo Amaro da Purificação em 1854, ela chegou ao Rio aos 22 anos e migrou para Praça Onze no começo do século XX. Ganhou notoriedade ao curar uma ferida na perna de Venceslau Brás. Para agradecer, o presidente empregou seu marido no gabinete do chefe da polícia e cedeu dois soldados para segurança de suas festas. Ou melhor, pagodes. Nelas, o Samba nasceu.
O tal do Samba -- do qual o Pagode é uma vertente -- consiste num ritmo em que há um tempo forte sucedido por um tempo fraco. Na origem, a marcação desses tempos cabia ao surdo, um tambor grave. Acompanhando a cadência, o tamborim -- mais agudo -- pode fazer desenhos sonoros. Com o tempo, esse ritmo foi tão internalizado que a marcação pôde ser transferida para harmonia do baixo, por exemplo. Ou algo até mais sutil, como a Bossa Nova -- que transformou o tamborim no violão.
Embora pouco lembradas, as mulheres têm papel central nessa história. Tia Ciata versava em suas festas. Nas escolas, o samba vencedor era o escolhido pelas pastoras. Com o rádio, Carmen Miranda tornou a baiana internacional. E nomes como Dolores Duran forjaram a Bossa Nova. Mas, até os anos 1970, as gravadoras acreditavam que mulher gostava de ouvir homem e sambista não tinha dinheiro para disco. Foi preciso que Clara Nunes vendesse 500 mil cópias do álbum Claridade, em 1975, para que a escrita caísse.
A mineira vinha movimentando a indústria havia tempo. Por causa dela, Beth Carvalho trocou a Odeon pela Tapecar quatro anos antes, porque queria cantar samba e a casa já tinha seu nome para o ritmo. Em 1973, foi a vez de Elza Soares trilhar o mesmo caminho pelo mesmo motivo. No disco de 1976, ela gravou Malandro, de Jorge Aragão, e, em junho do mesmo ano, durante uma festa de aniversário seu em sua casa, um grupo de samba foi batizado com o nome Fundo de Quintal.
E, talvez aqui, comece a história do Pagode.
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A história do pagode é um ensaio em quatro capítulos sobre o gênero musical que colocou no mesmo ritmo as duas pontas da Dutra -- exclusivo para assinantes da Eixo.
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Leia o próximo capítulo aqui na próxima quinta (16), às 8h30.



Que texto delicioso e bonito. Pega a gente de jeito, puxa pela mão e leva para sambar. E a alegria de saber que vem mais ensaios, menino? Que maravilha é a sua escrita!
Texto maravilhoso! Saulo é top ! O samba/pagode agradecem! E nós também!